segunda-feira, 26 de julho de 2010

Oxalá


Já falei de mares, rios, matas, ventos e pedreiras, e dos caminhos que levam a todos tipos de energia. Faltou um. Não sabia como explicar.
Afinal de contas ,o que nos une? O que dá a liga nesta massa intrínseca que se movimenta, que nos uniu mesmo com nossas diferenças aqui mesmo, por exemplo, neste cantinho que criei, onde nem todos são da mesma religião? O movimento que nos une e nos afasta, que faz com que as energias sigam seu caminho?
No começo do século passado, em 1917, nasceu um menino que logo cedo começou a ajudar os pais, na lida nos campos. Na adolescência amansava burros e na sua maturidade, chegou a conclusão que amansaria homens. Sua fé despertou depois de literalmente ver o circo pegar fogo. O Profeta Gentileza pregou por mais de trinta anos que “Gentileza gera Gentileza”, no Rio de Janeiro. Foi tanto sofrimento que viu naquele incêndio em 1961 no Gran Circus Norte-Americano e tanta vontade que a humanidade enxergasse a real condição humana, que acredito mesmo que , em certos momentos, Gentileza beirava à loucura. Com 3000 pessoas na plateia, faltavam vinte minutos para o espetáculo acabar, quando uma trapezista percebeu o incêndio. Em pouco mais de cinco minutos, o circo foi completamente devorado pelas chamas. 372 pessoas morreram na hora e, aos poucos, vários feridos morriam, chegando a 500 o número de vítimas fatais, das quais 70% eram crianças.
Gentileza não foi um santo, mas fez o máximo para trazer alento aos parentes dos que sofreram. Era um andarilho, com uma causa para se manter vivo: espalhar as palavras de gentileza. Assim como ele este Brasil teve outros tantos andarilhos, chamados de profetas. Dos três monges da Guerra do Contestado no sul aos Borboletas Azuis da Paraíba, dentre outros tantos menos conhecidos, este Brasil foi e é pisado por pés religiosos que propagam a fé, não necessariamente em uma religião, mas na humildade e respeito à natureza. Na verdade eram mendingos de nossa atenção. Na Umbanda há a linha dos mendigos, pouco falada, pouco conhecida.Trazem o poder de limpeza espiritual, a harmonia e o amor no ambiente e apesar de linha neutra, como aprendi com Pai Fernando, são chamados com pontos cantados para Oxalá.
Na tentativa de expor aqui o que é a energia Orixá de Oxalá, me coloquei numa sinuca. Oxalá é associado no sincretismo com Jesus Cristo, assim como Yansã por exemplo com Santa Bárbara.Mas Yansã não é Santa Bárbara e Oxalá não é Jesus. Oxalá é a energia maior, por onde fluem a energia de todos os outros orixás. Oxalá é a energia da fé e esta energia é tão forte, que não há como não se desvincular dela. Não falo da fé ligada a alguma religião, mas da fé que liga tudo e todos no espaço.
Não incorporamos Oxalá. E não há uma resposta para isso bem clara. Eu tenho a minha. Não se incorpora a fé. Porque simplesmente a vivenciamos. E a linha dos mendigos talvez seja a mais próxima da nossa realidade na fé vivida no dia-a-dia.
Num outro post que fiz a Marcela Marcos falou o seguinte “Semana passada, indo trabalhar com a minha mãe, ouvimos no carro a notícia de que um mendigo havia morrido de frio. Eu chorei, instantaneamente. E fiquei pensando muito, confesso que um pouco desiludida do mundo, querendo que tudo de bom que há em minha vida pudesse ser dividido. Sabe, dá um aperto no peito vestir uma roupa quente e saber que há irmãozinhos morrendo, literalmente, de frio.” O sentimento que os mendigos nos despertam quando estamos integrados a tudo é realmente este, o da Marcela. É Oxalá em nós. É o despertar de nossa condição humana e nossa responsabilidade espiritual, que resultará em uma ação , por mínima que seja. Um dia meu caçula foi comigo ao centro da cidade e ficou muito triste ao ver um mendigo sem as pernas se arrastando pelo chão. Eu não tinha nenhuma moeda sobrando para dar a ele. Meu filho me perguntou se , já que não tínhamos nenhuma forma de ajudá-lo, se ele pedisse a Deus uma ajuda a esse homem, se daria certo. Falei que sim, porque era o que poderíamos fazer. Algum tempo depois voltamos para Curitiba e encontramos o mesmo mendigo. Estava em uma cadeira de rodas e meu filho olhou para ele e fez sinal de positivo com a mão. Olhou para mim e com um sorriso aberto falou: “Deu certo mamãe!”. Fiquei com vontade de olhar para Deus e fazer sinal de positivo com a mão.
Ao pedirmos aos Orixás sua energia em prol do próximo, movimentamos a energia Divina de Oxalá. Ao estendermos a mão a um mendigo por exemplo, da forma que pudermos, independente do que acreditemos, movimentamos a energia de Oxalá. Quando percebemos que nossa condição humana e espiritual não é diferente da de um mendigo, movimentamos a energia de Oxalá e assim sendo, mesmo não sendo Umbandista ou de qualquer outra religião, nosso espírito cresce na força maior da fé. Onde houver um coração que haja com fé, humildade e caridade, ali estará também Oxalá.

A foto , que mostra um dos Borboletas Azuis, foi cedida pela divina retratista da realidade Nely Rosa, que em breve terá um site. Aguardem!

Apesar do Pai Fernando Guimarães ter encerrado o Blog, ainda é possível ler sobre a Linha dos mendigos:

http://paimaneco.blogspot.com/2009/05/linha-dos-mendigos.html

13 comentários:

  1. Acabei de citar no Twitter a minha saudade das abordagens do Edgar Morin ao referir-me a “noosfera”...

    Hoje transcreverei literalmente uma parte do pensamento desse grande sociólogo francês...

    “Devemos estar bem conscientes de que, desde o alvorecer da humanidade, encontra-se a noção de noosfera – a esfera das coisas do espírito -, com o surgimento dos mitos, dos deuses, e o extraordinário levante dos seres espirituais impulsionou e arrastou o Homo Sapiens a delírios, massacres, crueldades, adorações, êxtases e sublimidades desconhecidas do mundo animal. Desde então vivemos uma selva de mitos que enriquecem as culturas
    Produto da nossa alma e mente, a noosfera está em nós e nós estamos na noosfera. Os mitos tomaram forma, consistência e realidade com base nas fantasias formadas por nossos sonhos e nossa imaginação. As ideias tomaram forma, consistência e realidade com base nos símbolos e nos pensamentos de nossa inteligência. Mitos e ideias voltaram-se sobre nós, invadiram-nos, deram-nos emoção, amor, raiva, êxtase, fúria. Os humanos possuídos são capazes de morrer ou matar por um deus, por uma ideia. No alvorecer do terceiro milênio, como os daimons dos gregos e, por vezes, como os demônios do Evangelho, nosso demônios “idealizados” arrastam-nos, submergem nossa consciência, tornam-nos inconscientes, ao mesmo tempo em que nos dão a ilusão de hiperconscientes”.

    (MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação o futuro. São Paulo: Cortez, 2000. p28-29)

    Eis o grande X da questão como o próprio Morin costuma explanar: nossos “demônios idealizados” nos atrofiam, nos delimitam, nos impedem de transpor a nossa essência em detrimento da superficialidade, da abstração equivocada e distorcida. O “outro”, o “próximo” que, de fato, reflete a nossa imagem e é o nosso espelho ou simplesmente a transcrição das características abomináveis é aquele que nos incomoda, porque é o reflexo do real... O imaginário que construímos muitas vezes nos impede de visualizar o que determinaria condições básicas de sobrevivência em sociedades, em comunidades... Ser gentil? Ser solidário? Ser altruísta? Ser tolerante? Para que e por quê? Infelizmente, vivemos numa esfera em que prevalece caráter individualista que enfatiza “o que ganharei com isso?”, ou seja, a retribuição antecede a doação, perdeu o seu sentido, relevância e campo de ação diante da banalização da vida e da espiritualidade.
    E,lamentavelmente, pouco fazemos para alterar essa realidade...

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  2. Sabe o que me traz paz, dentre as funções que me são dadas no dia e as funções que eu me dou? Vir, comentar aqui. É com enorme satisfação que o faço, de verdade. Não temo que isso pareça coincidência, pois sei que estou falando diretamente com uma amiga que, como eu, deve achar que tudo tem uma razão para acontecer nesta vida e se não tiver razão, não deve ser racional a esse ponto. Digo isso porque hoje mesmo, voltando para casa, lembrei-me do que havia escrito a você ao me deparar com mais mendigos pelo caminho. Sabe, meus dias não têm sido fáceis por algumas irregularidades no trabalho e uma tristezinha que tem batido. Mas vou seguir "tristeza, pé no chão" da iluminada Clara Nunes, porque simplesmente penso que não tenho o mínimo direito de entristecer com tantas bênçãos que já me foram - e têm sido - dadas. Vai ver (e na verdade não tenho dúvida) é Oxalá ao meu redor. Obrigada por me mencionar neste cantinho que irradia e só não cega porque isso faria mal, e seus textos só me fazem bem.

    Paz e luz, querida!

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  3. Saravá Andréa,

    Acredito que se Jesus não é Oxalá, O Cristo é sim Oxalá! Buda, Jesus, Maomé, os grandes profetas, como são chamados os guias da humanidade, os agregadores, foram humanos que entraram em sintonia perfeita com Oxalá. Esta sintonia perfeita fez com que vibrassem Oxalá no plano físico. Sem qualquer sombra de dúvida, pois está fartamente documentado e acima de tudo propagado pelos Espíritos da Luz, Cristo é Oxalá, pois a sintonia foi tão perfeita que já era predita sua chegada pelos Anjos e Arcanjos. O espírito mais iluminado que já encarnou na Terra, e que um dia há de voltar para viver entre nós novamente.

    Existem muitas ordens místicas, milenares, que têm a crença de que quando Jesus foi sepultado, Oxalá lhe deixou o corpo. Enquanto Cristo submergiu na crosta para subjugar e vencer Belial, voltando, depois de orientar seus seguidores, ao Astral Superior, Jesus retornou a vida, casou-se com Maria Madalena, e seus descendentes vivem entre nós.

    Quem sabe estes descendentes, através da miscigenação e das dezenas de gerações, não sejam estas pessoas, como o Gentileza?

    Quando pedimos a esta vibratória cósmica criadora de tudo e de todos, com fé pura e verdadeira, livre de programação e poluição mental, de certa forma o Cristo, Oxalá, entra em nosso corpo, e através dele opera verdadeiros milagres nessa esfera holográfica na qual vivemos. Alterar a realidade, para Oxalá é natural, pois foi Ele quem a criou para nós evoluirmos.

    É difícil explicar meu raciocínio em palavras, mas como você aponta, quando estendemos a mão a um mendigo, ou seja a quem for, na verdade estamos estendendo a mão a nós mesmos. Somos um e está tudo conectado, não tenho mais dúvidas disso. O que atrapalha esta conexão são as mistificações direcionadas ao controle das pessoas, que controlam e são controladas, quando seria mais fácil estender uma mão e receber uma mão.

    Muito bonita a história que você conta neste post, bem como as que você tem escrito regular e sucessivamente, ajuda muitas pessoas a se conectarem entre si e ao Cristo/Oxalá, que é o mainframe perpétuo de todo reino que habita este Planeta. Também, gostaria de ter a honra de receber seus comentários nos post que faço em meus blogs. Afinal compartilhar conhecimento depende diretamente de interação, para o desenvolvimento conjunto do conhecimento humano. Por isso sou a favor de mudanças drásticas e libertadoras nas leis de direitos autorais. O conhecimento precisa e deve correr livremente, o capital do conhecimento precisa circular fluentemente, sem impedimentos.

    Ao meu ver, a humildade, aquela típica de Oxalá, é amar a todos como se ama a sí próprio. E caridade é dar a mão sem esperar nada em troca. Agora, dê o que não for lhe faltar, aquilo que lhe sobra, pois a todos sobra alguma qualidade, seja ela qual for. A humildade, desta vibratória, é a grata aceitação, o amor incondicional sem jamais julgar. Todos os Orixás estão incumbidos de fazer cumprir estes preceitos, criados antes mesmo da vida humana inteligente.

    Somos UM, estamos, tudo está conectado! O segredo não está nesta ou naquela religião, e sim na unicidade! É o que acredito, é o que procuro transmitir a todos os meus irmãos e irmãs de jornada. E OXalá com todos nós, antes, agora e sempre!

    Axé irmã! e manda um abraço fraterno para o irmão Fernando, também amo ele. : )

    .☆«•.*❤ レ o √ 乇 ♪☮❤☯♪ レ ノ g ん イ ❤*.•»☆.

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  4. Oi, Andrea! Adorei seu texto em vários sentidos; da história tocante sobre o circo e a simples iniciativa de fazer algo gerando gentileza, da história do mendigo que habita em todos nós(os que conseguem se reconhecer na precariedade de nossas existências e se colocar no lugar do "outro"), da analogia sobre fé e energia, e sobre Oxalá. Não sei muito sobre o assunto mas adorei ser "apresentada" a esta entidade de pura energia. Deduzi, lendo seu texto que tenho Oxalá dentro de mim. Embora agnóstica, sempre tive um senso muito grande de justiça, ética, integridade e principalmente, uma conduta gentil e prestativa para com o próximo. Essa é a minha religião :)
    Parabéns mais uma vez pelo tocante texto e obrigada por algo sobre um mundo que desconheço.
    Beijos,
    Cynthia

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  5. Minha amiga de luz, mais uma vez o seu texto é um presente para quem tem o privilégio de ler o o seu blog. Hoje cedo pensei que estava com saudade dos seus textos e graças á Deus você nos brindou com um tão lindo. Em meio a esta avalanche diária em que vivemos, correndo de um lado para o outro, muitas vezes sem nem saber porquê, estamos ficando cada vez mais distantes da gentileza. É tão difícil parar por um minuto que seja para apreciarmos algo bonito, para sermos gentis com alguém, para nos lembrarmos de simplesmente escutar o outro. No kardecismo aprendemos que o fluido universal que nos rodeia, nos liga uns aos outros e aos amigos espirituais , é a matéria divina que nos criou e que possibilita o nosso permante contato. Infelizmente nos esquecemos desta ligação de amor e nos esquecemos de agir como irmãos. Felizmente o Criador põe em nossos caminhos pessoas para nos lembrarem desta união divina e da necessiade de exercitarmos diariamente a força da humildade e da caridade. Muito obrigada pela linda lição.Beijos de luz.

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  6. Minha linda...
    Nesse texto, além do poder infinito de Pai Òsàálá,vc ilustrou o que toda humanidade deveria ter, independente de religião... o amor altruísta! Amar uns aos outros. O que infelizmente, vemos cada vez mais distante da nossa realidade.
    Pessoas como vc, contribuem sobremaneira para mostrar que o caminho da verdade, do amor ao próximo e da humildade, é efetivamente o único caminho que podemos alcançar a luz... a luz de Bàbá Epe!! A luz de Olorun!!
    Que Bàbá Ajala continue protegendo e abençoando o seu Ori.
    Muito Asè para vc!!!!

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  7. Vi seu recado la no Twitter me convidando a ler seu texto, e assim que pude fiz questao de ler e deixar minha opiniao, porem quando acabei de ler me lembrei da musica Metamorfose Ambulante de Raul Seixas, exatamente porque nao tenho uma opiniao formada sobre tudo ou sobre quase nada, tenho na verdade muitas duvidas, muitos questionamentos a respeito do ser humano, por que a gente se depara com tanta arrogancia, tanta prepotencia? E as vezes encontramos isso em nos mesmos, nos que queremos ter em nossa essencia o bem. Seu Post de hoje fala sobre gentiza e mendigos, dai pensei aqui comigo, quantas vezes a gente ve um mendigo vindo pedir esmola no farol (semaforo) e ficamos torcendo para que fique verde antes que ele chegue ao nosso carro ou simplesmente fechamos o vidro. As vezes nos sentimos envergonhados, mesquinhos por essas atitudes, mas na maioria das vezes deitamos e dormimos tranquilamente. Me pergunto: qual e a lei que rege a nossa consiencia? O que esperamos quando fazemos o bem/mal ou simplesmente nao fazemos nada? Sao questoes que me consomem. Parabens pelo texto. Sucesso.

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  8. "Gentileza gera gentileza". Tão simples, mas tão dificil de ser visto no nosso cotidiano. Vide o trânsito aqui de São Paulo.

    A religião começa nos pequenos gestos, como um "bom dia" a um desconhecido.

    Muito bom esse texto Andréa. Parabéns!

    Bjs,

    @adrianasantos

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  9. E é uma pena que muito tempo ainda vai se passar antes que o homem enxergue que a ação produz uma reação. Que uma gentileza realmente gera, de fato, uma gentileza.

    É a ganância pelo bem-estar instantâneo nos leva a não pensar no próximo.

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Acredito plenamente que só a gentileza é capaz de gerar gentileza. O amor é esssencial a todos por isso é tão importante amar ao próximo. Amar de verdade, coração aberto, sem preconceitos, medo ou qualquer outro sentimento que impeça as boas intenções. Outra coisa que também acredito é que amar só se aprende amando.É exercitando o amor que nos tornamos mais civilizados, dignos e humanos. O amor é tão caro que não custa nada, só a sua verdade.
    Beijos. Adorei o texto.

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  12. Tão bom entrar aqui porque sempre aprende um pouco mais. Beijos.

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  13. Olá querida!!! Mais um texto maravilhoso. Tô ficando fã. Amei mesmo... e olha que sou umbandista e não conhecia a linha dos mendigos!!!
    Fico muito agradecido por compartilhar textos brilhantes como estes.
    bjossssssssssss

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